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Uma breve história da psicossomática

Atualizado: 3 de mai. de 2020

O Pai da Medicina, Hipócrates de Cós (460 a.C.), tenta explicar os estados de saúde e doença pela existência de quatro humores principais do corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. A saúde seria o equilíbrio entre esses elementos. Hipócrates entendia a enfermidade como uma desorganização desse estado e dizia que os asmáticos deviam se resguardar da raiva. Aristóteles postulava que a “psique” e o corpo reagiam complementarmente um com o outro. Galeno (200 d.C.) entendia a causa da doença como endógena, ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio. Ainda, Galeno afirmava que mulheres “melancólicas” são mais suscetíveis ao desenvolvimento de neoplasias mamárias que mulheres “sanguíneas”. Para Paracelso, as doenças eram provocadas por agentes externos ao organismo. Na modernidade surge Descartes e a teoria da separação completa entre mente e corpo, alicerçando o discurso dualista cartesiano que influenciou o desenvolvimento do pensamento médico. Esse pensamento foi ainda reforçado no século XX com as descobertas de Pasteur e Virchow, onde se desenvolveu uma visão reducionista sobre a etiologia das doenças.

Porém, em 1918 Heinroth, um psiquiatra alemão, apresentou pela primeira vez a expressão psicossomática num artigo que relacionava as influências das paixões sobre o processo de adoecer. Também no início do século XX, Sigmund Freud resgata a importância dos aspectos internos do homem e relacionou a emoção reprimida, não aliviada pelos canais normais de atividades voluntárias, à constituição dos distúrbios crônicos e psíquicos do corpo. Apesar de não ter se aprofundado nas questões de somatização, Freud assinala a relevância dos aspectos psíquicos em algumas manifestações somáticas. Assim, o modo de pensar freudiano mudou o rumo dos estudos, provocando uma mudança de paradigma, ao superar o reducionismo biológico imposto pela tradição cartesiana.

Em 1917, o psicanalista Grodeeck publica a obra Determinação psíquica e tratamento psicanalítico das afecções orgânicas, que foi considerada um marco na psicossomática. Nesta obra, ele propõe que o mecanismo psicológico da conversão histérica poderia ser generalizado para outras doenças somáticas, como uma expressão simbólica de desejos inconscientes manifestados no corpo do paciente. Grodeeck considerava que toda doença tem um sentido e não é fruto do acaso, sendo que a saúde seria responsabilidade de cada um e ao médico competiria não curar, mas tratá-la, criando, em colaboração com o paciente, condições adequadas de saúde.

Na década de 30 surge em Chicago, sob direção de Franz Alexander, o Instituto Psicanalítico de Chicago. Alexander sustentava um modelo psicossomático de base psicofisiológica. Defendia que as doenças orgânicas poderiam ser entendidas basicamente como respostas fisiológicas exacerbadas decorrentes de estado de tensão emocional crônica motivado por processos mentais inconscientes desprovidos de significado simbólico. Ainda, os aspectos emocionais e fisiológicos são expressões concomitantes diferentes de um mesmo processo. O aspecto emocional é expresso por palavras, enquanto o fisiológico é expresso por meio de alterações nas funções corporais.

Insatisfeito com as ideias da Escola de Chicago, Pierre Marty, em 1962, propõe a noção de pensamento operatório, onde o rearranjo dos elementos funcionais existentes no pré-consciente torna-se custoso na vida operatória. E em 1966 desenvolveu o conceito de “depressão essencial”, onde essa decorreria de eventos traumáticos e colocaria o sujeito em posição particularmente vulnerável ao adoecimento. A somatização, então, surgiria em decorrência de estruturas psíquicas deficitárias na capacidade de representação e elaboração simbólica, ou seja, um menos grau de atividade mental corresponde a uma maior vulnerabilidade somática.

Joyce McDougall, um dos maiores nomes da atualidade da psicossomática, propõe o conceito de desafetação para explicar o processo de somatização. Esse conceito corresponde a um mecanismo que ejeta do aparelho mental percepções, pensamentos e fantasias capazes de suscitar sentimentos relacionados a experiências traumáticas. Para ela, os pacientes psicossomáticos não querem perder o controle de suas emoções e, para isso, inconscientemente deixam de usar estratégias que evitam isso. Assim, o que foi ejetado do psiquismo é convertido no corpo.

Tanto Marty quanto McDougall consideram um erro afirmar que uma dada doença é psicossomática, sendo essa uma forma reducionista que remete ao antigo dualismo cartesiano. Esses autores pensam que a unicidade mente-corpo faz do homem um ser psicossomático por definição. Ambos reconhecem a multicausalidade do adoecimento e não atribuem exclusivamente a determinantes psíquicos a ocorrência de uma doença somática.


Escrito por Milena Lobão



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