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Transexualidade é uma doença?

Apesar de ser um tema debatido atualmente, ainda hoje a transexualidade está dentro do novo Código Internacional de Doenças (CID-11), o qual ainda está em diferentes fases de implementação pelas comunidades científicas globais – o prazo é 2022.  No entanto, o fenômeno transexualidade ainda configura no novo CID, na categoria de "condições relacionadas à saúde sexual" e é classificada como "incongruência de gênero". A transexualidade está, há 28 anos e até o código vigente, classificada dentro da categoria de transtornos de personalidade e comportamento, intitulado como transexualismo (F640). Nessa atualização ela deixa de ser considerada uma doença mental, porém ainda está dentro de um código de doenças, o que acarreta em uma estigmatização dessa identidade. 


Em contrapartida, o Código de Ética do Conselho Federal de Psicologia (2005) diz em seus princípios fundamentais I, II e III (p. 7) que é dever do psicólogo não discriminar, incluindo quaisquer identidades de gênero como uma doença e, consequentemente, não realizar práticas que favoreçam o preconceito, como terapias de conversão. 


A quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-V), categoriza algo cultural (gênero) em um diagnóstico psiquiátrico, nomeando a transexualidade como “disforia de gênero”, caracterizada como um estado psicológico em que a pessoa demonstra insatisfação com seu sexo e com o papel sexual socialmente definido a partir dele. Nessa definição, o desejo de realizar a cirurgia de redesignação sexual e a hormonioterapia são postos como requisito para o diagnóstico (BENTO, 2006).

Profissionais de saúde mental debatem que a cirurgia não é a única forma terapêutica possível e que a mudança do genital não é elucidativa da identidade transexual (BENTO, 2006).


O ato de transformar em doença, além de colocar o transexual em condição de abjeto, dita um modelo de pensar a transexualidade como “catalogável, curável e passível de normalização” (BENTO e PELÚCIO, 2012). A condição de abjeto é ter seu corpo e sua vida colocada como “não importante”, são sujeitos que não gozam do status de sujeito (PRINS; MEIJER, 2002, SANTOS, 2014), seu sofrimento sendo visto como corriqueiro, ordinário, habitual a ponto de ter sua humanidade negada.


“Esse conceito vem da ideia de que determinados sujeitos devem ser excluídos da existência social porque transgridem regras” (COLLING; SANT’ANA, 2014, p. 258).


Berenice Bento (2008) define a transexualidade como uma experiência identitária e não como uma doença.


“A expressão transexualismo está relacionada a um saber médico que se apega somente a parâmetros nosológicos e biológicos para denominar a sexualidade de outrem. Ou seja, ainda que se passe por todo um processo de se ‘fazer’ uma sexualidade compatível com a sua subjetividade, a biologia estará marcando sempre o corpo daquela pessoa” (COLLING; SANT’ANA, 2014, p. 259).


Bento (2017) questiona “como é possível criar uma categoria cultural (gênero) em uma categoria diagnóstica?” (p. 40). Uma crítica ao manual aponta que a população estudada para a formulação dessas patologias é exclusiva dos Estados Unidos. Além disso, seus desenvolvedores são oriundos de cinco nacionalidades apenas, nenhum deles pessoa trans. “O DSM é um texto que fala de um contexto econômico, social, político e específico” (BENTO, 2017, p. 42). Não é possível esgotar as possíveis explicações para ”gênero disfórico” em seu processo enviesado.


“A continuidade da psiquiatrização, nesse contexto, deve ser interpretada como uma concessão necessária ao mercado. Essa seria a única maneira de obter o tratamento escasso oferecido pelos planos de saúde. O argumento para mantê-la de acordo com um imperativo categórico do mercado pode ser interpretado como um ardil para reforçar a posição corporativista dos psiquiatras. Dessa forma, assegura-se a continuidade do protagonismo dessa categoria profissional como os detentores da verdade sobre esse tipo de ‘distúrbio’” (BENTO, 2017, p. 41).


Vários estudos têm demonstrado diferenças na morfologia cerebral entre os sexos. São escassos os estudos sobre a morfologia cerebral em indivíduos transgêneros. 

Em estudo recente, Spizzirri (Spizzirri, 2016; Spizzirri et al 2018) trouxe respaldo biológico para a não inclusão da transexualidade como doença. A pesquisa fez uma análise estrutural, a partir de imagens de ressonância magnética, a fim de investigar variações no volume cerebral de indivíduos transgêneros. Ao todo tiveram 80 participantes (entre 18 e 49 anos): 20 mulheres cisgêneros, 20 homens cisgêneros, 20 mulheres trans que nunca haviam feito uso de hormônios e 20 mulheres trans que fazem uso de hormônios há pelo menos um ano.  


Os resultados indicaram nos dois grupos de mulheres trans um volume reduzido da ínsula, em ambos os hemisférios cerebrais, em relação às mulheres cis. O volume da ínsula não se apresentou diminuído em relação aos homens cisgêneros. A ínsula tem sido relacionada às sensações subjetivas e à interocepção, inclusive a percepção do próprio corpo, e ao processamento de emoções. As alterações na ínsula podem estar relacionadas a mudança na rede neural da percepção corporal e podem refletir o sofrimento que acompanha a disforia de gênero. Spizzirri sugere que as mulheres trans apresentam características cerebrais que se aproximam do gênero com que se identificam. Sua hipótese é de que essas diferenças começam a ocorrer no período gestacional. 


Esse estudo é muito importante pois sugere que na transexualidade “o cérebro não segue o mesmo padrão que o resto do corpo, pois há evidências de que determinadas regiões cerebrais nas mulheres transexuais (MT) - sexo biológico masculino - são parecidas com as de homens cis” (SPIZZIRRI, 2016). 


Dessa forma, a transexualidade não pode ser vista como uma doença, mas como uma das muitas formas possíveis de nos identificarmos socialmente.




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