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Trans? O/a transexual, o transgênero e a travesti

“Transgênero é um termo utilizado para fazer referência às pessoas que, apesar do sexo de nascimento, não se reconhecem na identidade de gênero correspondente (menina/feminino e menino/masculino)" (Jorge e Travassos, 2018, p. 59). A Transexualidade está inserida na categoria da transgeneridade, como também as travestis, crossdresser, genderqueer, bigênero, pangênero, drag queen, intersexo e etc. 


A pessoa transexual é um indivíduo que sente pertencer ao sexo oposto ao biológico, não se identificando com seu gênero designado ao nascimento nem com seus genitais ou com as atribuições socioculturais decorrentes desta (Galli, Vieira, Giami, & Santos, 2013; www.cidadaniatrans.com). “Ele não deixa um sexo pelo outro: ele muda as insígnias de gênero de um sexo pelas aparências do outro sexo” (CECCARELLI, 2008, p. 54).


"O prefixo ‘trans’ [...] vem do latim e significa ‘em troca de’, portanto: quem se identifica com um gênero diferente do qual foi designado no nascimento, ou nenhum gênero é transgênero" (www.cidadaniatrans.com). Outro sentido para o prefixo “trans” é cruzar fronteiras, indicando uma mobilidade identitária (SANTOS, 2014). Jean Wyllys (2017), no livro BRTRANS, peça escrita por Silvero Pereira, comenta sobre o trocadilho feito pelo autor, que coloca o BR sugerindo uma rodovia, remetendo ao sentido de deslocamento.  


“O prefixo trans, que permite a metáfora, se refere à condição de quem partiu, mas ainda não chegou; de quem se deslocou deliberadamente de um lugar em direção a outro, mas ainda está no caminho, no trânsito, de quem deixou uma casa, um êthos ou identidade para trás, mas ainda está sem abrigo, e em construção de uma nova casa ou identidade ou um novo êthos” (p. 7).

Importante ressaltar que é preciso fazer o uso da palavra transexualidades no plural, uma vez que “a origem da inadequação entre corpo anatômico e sentimento de identidade sexuada não é a mesma para todos/as aqueles/as que se dizem transexuais” (CECCARELLI, 2014, p. 57). Falar em transexual típico seria como falar em cisgênero típico, uma vez que nada é típico na identidade e sexualidade humana, sendo assim, impossível generalizar uma experiência estritamente singular (CECCARELLI, 2014, JORGE e TRAVASSOS, 2018). “A transexualidade é uma vivência singular, única, cuja experiência é intransferível e não moldável” (SANTOS, 2014, p. 85).


“Algumas dizem: ‘tenho o corpo de um sexo e a alma do outro’. No entanto, mesmo existindo esse consenso, as pessoas transexuais são diferentes umas das outras, assim como todas as demais pessoas não transexuais, embora suas necessidades em relação às mudanças corporais possam, em muitos casos, serem as mesmas” (COELHO; SAMPAIO, 2014, p.13).

Há confusão presente nos discursos de senso comum a respeito da diferença entre transexual e travesti (OLIVEIRA e GROSSI, 2014). “Isto se dá não só na acepção dos termos, mas também na identificação dos sujeitos que assim se reconhecem” (p. 699).


“... enquanto a transexualidade apresenta pessoas que vivem no masculino e feminino, até o presente momento, a travestilidade, como nós brasileiros a conhecemos, tem se apresentado em forma feminina (...). A literatura caracteriza as pessoas transexuais como aquelas que se sentem homens ou mulheres, opostamente ao corpo e a genitália com os quais nasceram; a travesti é localizada (...) como uma pessoa que gosta ou se sente bem vivendo ‘como mulher’” (SANTOS, 2014, p. 79 e 85).

O conceito “transexualismo” apareceu pela primeira vez com Harry Benjamin (1953), endocrinologista alemão radicado nos Estados Unidos, em seu artigo “Travestismo e transexualismo” (JÚNIOR, 2014, BENTO 2006). Ele o definiu como: 


“... homem ou mulher biologicamente normal (o diagnóstico é excluído no caso de intersexualidade), porém profundamente infeliz com o sexo – ou gênero – de nascimento, designado a partir da genitália. Benjamin propôs uma conduta médica diante da demanda transexual, que incluía tratamento hormonal e convívio social adequado ao sexo desejado e, em último caso, a intervenção cirúrgica” (JORGE e TRAVASSOS, 2018, p. 56). 

Até então não havia “uma nítida separação entre transexuais, travestis e homossexuais” (BENTO, 2006, p. 40).


Atualmente é usado o termo transexualidade, uma vez que o uso do sufixo “ismo” sugere conotação patológica e de condutas sexuais perversas (Bento, 2006), enquanto “dade” significa modo de ser (Ministério da Saúde, 2015). “A reivindicação do uso do termo ‘transexualidade’ partiu dos movimentos sociais LGBTI+, na luta pela despatologização das chamadas ‘identidades trans’” (JORGE e TRAVASSOS, 2018, p. 57).


O termo travestismo surge no século XVIII com o desejo de mulheres de ocuparem determinadas posições sociais designadas exclusivamente aos homens e, para tal, trocavam as roupas. A travesti é, portanto, aquela que, para ser reconhecida como do sexo oposto, traveste, ou seja, usa roupas do gênero socialmente intitulado contrário. O manual de comunicação LGBT, produzido pela Associação Brasileira de Gays, Bissexuais e Lésbicas, diz que travestis se apresentam físico, psico e socialmente com caracerísticas atribuídas ao sexo oposto, mas não negam a genitália (SANTOS, 2014). Segundo o site transcidadania “cabe exclusivamente a pessoa a decisão de se afirmar como mulher trans ou como travesti”, pois ambas se identificam e devem ser legitimadas socialmente como mulheres. 


“... fronteiras entre travestis e transexuais encontram-se borradas no cotidiano, podendo haver um “trânsito” entre tais identidades; portanto não são fixas ou isoladas, mas posições sempre disputadas, negociadas, em constante interação e movimento” (MAGNO e colab., 2018, p. 2). 

Apesar de serem ambas expressões de gênero revolucionárias, ainda são capturadas pelas normas de gênero à medida que tem seus reconhecimentos pautados no binarismo (BENTO, 2011), e aqueles que não se encaixam nos padrões de sexo e gênero hegemônicas “são alvo de violência e perda de direitos, sem que isso seja visto como iniquidade ou crime” (SANTOS, 2014, p. 96).


Segundo Magno e colab. (2018) as travestis e as mulheres transexuais evidenciam as nuances possíveis tanto no sexo quanto no gênero, ambos entremeados e atravessados pela cultura, pois “borram ou confundem no próprio corpo a separação heteronormativa entre gênero e sexo” (p. 9).


 “Travestis e transexuais são sujeitos que subvertem as normas identitárias sexuais e de gênero vigentes e, de forma diferenciadas, são trazidas para as normas: transexuais via processo de patologização, tendo o recurso hormo-cirúrgico como tecnologia de controle e medicalização do corpo, ou, no caso das travestis, lançados na arena social via processo de estigmatização cuja solução - aceitação social - dependerá de uma mudança nos sistemas de sexo-gênero hegemônicos” (SANTOS, 2014, p. 81).

Escrito por Maria Martha Gibellini




Referências:


BENTO, Berenice. Política da diferença: feminismos e transexualidades. In: COLLING, Leandro (Org.). Stonewall 40+ o que no Brasil?. Salvador. EDUFBA, 2011. 

BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro, Garamond, 2006.


CECCARELLI, Paulo Roberto. Inquilino no próprio corpo: reflexões sobre as transexualidades. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 53 a 63.


COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral. As transexualidades na atualidade: aspectos conceituais e de contexto. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 13 a 23.


GALLI, Rafael Alves e colab. Corpos Mutantes, Mulheres Intrigantes: Transexualidade e Cirurgia de Redesignação Sexual. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 29, n. 4, p. 447–457, 2013.


JORGE, Marco Antonio Coutinho e TRAVASSOS, Natália Pereira. Transexualidade: o corpo entre o sujeito e a ciência. 1a edição ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. 


JÚNIOR, Jorge Leite. A interiorização do ‘verdadeiro’ sexo e a busca pelo ‘verdadeiro’ gênero. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 41 a 51.


MAGNO, Laio e DOURADO, Inês e SILVA, Luisa Augusto Vasconcelos Da. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v.34, n.5, 2018. 


MINISTÉRIO DA SAÚDE. Transexualidade e Transvestilidade na Saúde. 1ª ed. Brasília, 2015. 


OLIVEIRA, Melissa Barbieri De e GROSSI, Miriam Pillar. A invenção das categorias travesti e transexual no discurso científico. Estudos Feministas, v. 22, n. 2, p. 699–701, 2014.

SANTOS, Ailton. Transexualidade e travestilidades: conjunções e disfunções. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 79 a 99. 


VIEIRA, Tereza Rodrigues. Processo judicial e a adequação do nome e do sexo do transexual. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014.  p. 211 a 224.


WYLLYS, Jean. Todos nós em transe. In: PEREIRA, Silvero. BR-trans. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora de Livros Cobogó, 2017. p. 7-10.  


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