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Reflexão sobre “África em Artes”

Essa resenha propõe reflexões sobre o livro/catálogo “África em Artes”, de Juliana Ribeiro da Silva Bevilacqua e Renato Araújo da Silva. Esse catálogo nos coloca em contato com parte do acervo do Museu Afro Brasil (São Paulo), nos apresentando algumas obras e propondo algumas reflexões sobre elas. Como vemos no final desse texto, esse material também se propõe a ser um guia para professores e alunos em um primeiro contato com as culturas e etnias do continente africano.


Na apresentação, Emanoel Araújo nos conta sobre os 110 anos que se passaram desde quando o antropólogo alemão Leo Frobenius chegou no continente africano pela primeira vez e ficou estarrecido com tamanha diversidade. Com uma visão típica desse período - e que por vezes vemos ainda arraigada na nossa cultura - Frobenius encontra as estátuas de cabeças comemorativas de Ifé e supõe terem sido criadas por povos mais “evoluídos”, pois africanos não poderiam recriar tamanha perfeição, não um povo primitivo, como a visão eurocêntrica dizia. O tempo passou e confirmaram que sim, essas cabeças tinham sido criadas por um povo tido como primitivo. Esse mesmo povo - que na verdade são milhares de povos, culturas, línguas e expressões diferentes - enxerga a vida de uma maneira completamente diferente dos europeus, e por esse motivo ainda os vemos como primitivos? Para a visão eurocêntrica do homem branco, católico e heterossexual, sim.


Os objetos desses povos - ou obras de arte, como os europeus definiram - tinham uma função e papel social bem diferente do que seria uma obra de arte na Europa. Uma máscara ritualística Iorubá - cultura intrinsicamente ligada ao povo brasileiro por conta da escravidão - não foi criada e pensada para ser exposta e admirada em um museu, por exemplo. Esse conceito de obra de arte não fazia parte do contexto cultural desses povos. Elas eram criadas para fazerem parte de um ritual específico, como no caso da máscara Egungun, que era usada para representar os espíritos dos ancestrais em uma performance - termo da arte ocidental que mais se aproximaria desse tipo de acontecimento - e não para serem apenas olhadas de longe. Um mascarado se vestiria com essa peça na parte de cima da cabeça e teria o corpo todo também coberto por vestes específicas. Ele dançaria com outros para dar vida ao ritual, e a comunidade participaria do ato. A África respira o que nós chamamos de arte, mas para eles, é parte da vida diária, e isso não torna esses objetos menos especiais, pelo contrário, os torna “vivos” dentro de uma comunidade.


Após o contato com esses objetos africanos - ou seja, após o saque e roubo dessas peças pelos europeus - o homem branco, em sua cultura ocidental, entendeu que essas peças eram obras, e deveriam ser guardadas em museus para apreciação e preservação, pois esses povos primitivos não poderiam ser capazes cuidar de algo tão belo que eles mesmos haviam produzido e que pra eles se tratava de outro conceito. Esse contato e essa visão deu origem a movimentos modernistas na Europa, como o cubismo de Picasso e Braque, além de muitas outras consequências e influências na arte e cultura ocidental.


Pouco tempo depois de se apropriar do sentido e das peças africanas em si, vemos na Conferência de Berlim (1884-85), esse mesmo homem branco decidir que não apenas a produção africana se tratava de objetos que ele deveria possuir, mas também o território e a história - e destino - desses povos. Desde muito antes da Conferência, a escravidão dos africanos pelo homem branco causou marcas ainda irreparáveis, e algo que nós ainda não entendemos é que a presença dessas culturas africanas em território ocidental - mesmo que a grande maioria tendo chegado como escravos - também nos colonizou e influenciou nossa forma de ver o mundo.


Pensando no Brasil, onde o preconceito e discriminação com as minorias representativas (pois em números, são maiorias), e principalmente com os negros ainda é gritante, nós nos esquecemos de como muito da cultura africana faz parte do nosso cotidiano. A visão de mundo exemplificada pelas obras do catálogo, uma visão de conexão, criatividade e superstição também permeia o imaginário brasileiro. Nós nos apropriamos de um conteúdo cultural típico africano, nos identificamos com ele, mas nos esquecemos de sua origem. A maioria dos brasileiros possui alguma crença religiosa, geralmente católica com “cores” brasileiras, além de toques de criatividade e medo de forças ocultas, superstições que ele não sabe explicar de onde vieram, mas que permeiam seu imaginário. Medo da tal “macumba”, de um tal “candomblé”, e mesmo assim fazem suas simpatias e oferendas, aceitas socialmente em revistas e sites de variedades, geralmente sugeridas por alguma figura branca, ou negra caricata. O brasileiro ainda vive uma crise de identidade por esquecer seu passado e negar seu presente.


É nesse panorama que entra o museu Afro Brasil e o catálogo em questão, é necessária a educação e exposição das diferentes culturas e influências africanas em nosso país, levantando questões como quem são esses povos, como eles vêem o mundo, o que significa o que chamamos de arte para eles, e assim por diante, além de claro, nos lembrar - ou contar pela primeira vez para alguns - das atrocidades que o homem branco fez com o negro e que essa situação não mudou muito hoje em dia; negros continuam sendo discriminados, mulheres negras continuam recebendo muito menos que o homem branco, e a maioria da população negra, ou parda, continua marginalizada.


Olhando para esse passado, talvez seja possível entender melhor a nossa realidade de hoje, perceber do que nos apropriamos culturalmente e no que nos transformamos. Essa visão de história seria o básico que deveria constar hoje em dia em nos currículos de educação, mas projetos como esse museu também cumprem um papel de informar/educar a população e buscar um ideal de igualdade e respeito entre as culturas e cores que compõem o nosso país.


Escrito por Felipe Paganelli





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