Todos os mamíferos - incluindo nós, seres humanos - possuem mecanismos que servem para manter um estado de equilíbrio das funções do corpo. Um desses mecanismos é o sistema neuroendócrino, que envolve um conjunto de estruturas - neuronais e glandulares - responsáveis por se mobilizarem caso o organismo esteja frente a um perigo, seja ele real ou não. Quando este sistema entra em ação, o organismo modifica a forma como ele funciona e o indivíduo passa então a expressar certos tipos de comportamento, para que ele esteja preparado para enfrentar essas situações ameaçadoras.
Neste ponto, é importante lembrar que a palavra que deve ser destacada é EQUILÍBRIO. Se a ativação desse mecanismo for inadequada (tanto para mais quanto para menos), ele pode facilitar o aparecimento de diversas doenças. Uma baixa atividade desse sistema já foi associada à depressão, fibromialgia, hipotireoidismo, artrite reumatoide, alergias e asma. Já uma alta ativação foi relacionada à diabetes, insônia, anorexia, problemas de memória, imunossupressão e problemas reprodutivos.
Mas antes de falar sobre como o sono pode influenciar na saúde, falarei brevemente sobre como funciona o sono e um pouquinho sobre como respondemos ao estresse.
Devemos lembrar que o sono é composto por duas fases principais: sono REM (movimento rápido dos olhos) e o sono não-REM. O sono não-REM é dividido em quatro estágios. O sono, então, evolui em ciclos de fases, sendo que alguns estágios são mais ativos no começo do sono e outras mais no final. É durante o sono que alguns processos daquele mecanismo de equilíbrio, lá do comecinho do texto, vão ser mais ativos e outros menos ativos (lembrem-se da palavra equilíbrio!). Ainda, alguns desses processos ficam mais ativos logo após acordar e ficam menos ativos um pouco antes de dormir, obedecendo a um ciclo chamado de sono-vigília.
É na vigília que nos deparamos com mais estímulos estressantes e o nosso corpo tem que estar mais preparado para enfrentá-los. Então, é importante que o nosso corpo esteja pronto para ativar esses mecanismos na eminência de um perigo, mas também esteja preparado para desativar, quando a ameaça passar (olha o equilíbrio novamente!). O mais importante regulador desse sistema todo é o cortisol. O cortisol tem a importante função de dosar a reação de defesa, desativando quando essas reações estiverem exageradas.
Durante o sono, temos um nível de cortisol bem baixo, já que ele é mais "solicitado" quando estamos acordados. Vale lembrar que o cortisol pode atuar em diversas estruturas e células do organismo, inclusive nas células do sistema imunológico. Então, se eu tiver muito cortisol por muito tempo, eu posso causar uma imunossupressão, ou seja, uma redução da ação do sistema imunológico, e o organismo pode ficar mais vulnerável a infecções. Se eu tiver pouco cortisol, o sistema imunológico também pode ter uma atividade aumentada e pode facilitar o aparecimento de doenças inflamatórias como alergias, asma e doenças autoimunes.
A relação entre qualidade de sono e saúde tem despertado o interesse e diversos relatos podem ser encontrados na literatura científica. Por exemplo, uma privação de sono reduz a quantidade de anticorpos que um indivíduo pode produzir após tomar uma vacina. E não apenas ficar sem dormir é problemático, mas é essa natureza estressante da privação de sono que vai impactar o sistema imunológico.
Transtornos do sono como a insônia e a apneia do sono têm como característica causar quadros de privação de sono. O estresse crônico já foi relacionado como um dos principais fatores desencadeantes da insônia. Estar sob um estresse constante é como estar constantemente sob ameaça. Então o nosso corpo vai tentar usar aquilo que ele tem para se proteger desse perigo. Esse excesso de atividade acaba persistindo até o nosso sono, então aquele sistema de equilíbrio acaba ficando mais ativo num momento em que ele deveria estar "dormindo". Mas ainda temos mais um problema: a própria falta de sono também é um fator estressante. A hiperatividade aumenta a vigilância e tem um impacto negativo sobre o sono, formando assim um círculo vicioso em que a dificuldade para dormir se torna o próprio fator estressante. Lembra-se do cortisol? Então, ele também vai estar desregulado interferindo, também, no sistema imunológico.
A perturbação dessa harmonia, tão sensível, é um estímulo estressor que pode levar a problemas ainda mais graves de saúde. A forma como o indivíduo responde ao estresse é fundamental para a manutenção daquilo que chamamos atenção desde o início: equilíbrio. Então, é importante ter em mente que garantir o equilíbrio de processos tão fundamentais é de extrema importância para a nossa saúde e bem estar.
Escrito por Milena Lobão
Fonte: PALMA, Beatriz Duarte et al. Repercussões imunológicas dos distúrbios do sono: o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal como fator modulador. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 29, p. s33-s38, 2007.
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