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O transexual na sociedade: exclusão, violência e nome discordante

As pessoas transexuais sofrem não só com a privação da própria identidade, mas também são excluídos do pertencer à sociedade. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em 2017, ocorreram 179 assassinatos de travestis, mulheres e homens transexuais, mantendo o Brasil na primeira posição do ranking mundial que contabiliza a transfobia. “A transfobia é a discriminação, intencional ou não, às pessoas transgêneras e transexuais” (www.cidadaniatrans.com), que podem aparecer como ameaças, ataques, homicídios, exclusões, agressões físicas ou verbais, impedimento do uso de banheiros, a não utilização do nome social.  Segundo a ANTRA, 45% dos assassinatos de LGBT são de pessoas transexuais.


Berenice Bento (2016), no livro Dissidências Sexuais e de Gênero, diz: 


“... o assassinato é motivado pelo gênero e não pela sexualidade da vítima. Conforme sabemos, as práticas sexuais estão invisibilizadas, ocorrem na intimidade, na alcova. O gênero, contudo, não existe sem o reconhecimento social. Não basta afirmar ‘eu sou mulher’. É necessário que o outro reconheça esse meu desejo como legítimo” (p. 55).


O vácuo social que afeta a população transgênero estende-se sob a esfera da informação. Achar dados acerca dessa violência e suas vítimas é trabalho árduo. Bento (2016) comenta sobre essa questão, afirmando que há um consenso entre os pesquisadores do tema de que há uma necessidade de construir, no Brasil, instrumentos mais refinados para a coleta e sistematização de dados sobre a violência contra a comunidade LGBT. Os principais meios de coleta de dados são ONGs ativistas, cuja fonte são textos jornalísticos.

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (2017), a expectativa de vida de transexuais é de 35 anos, representando menos da metade da expectativa média nacional de 75,8 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). Esses números evidenciam a grave violência que essa parcela da população sofre. Butler (2017) afirma que “… a violência contra as pessoas trans é motivada pelo desejo de restabelecimento das normas de gênero” (p. 234).


A exclusão maciça desta parcela da sociedade aparece também na dificuldade de acesso à universidade, ao trabalho e à rede de saúde. Essa dificuldade aparece, em grande parte, devido ao não uso e/ou respeito do nome social, gerando constrangimento e humilhação da pessoa transexual (ECCARD e SOUSA, 2016).


O nome discordante é oportunidade para situações vexatórias e humilhantes que acirram tal violência. Eccard & Sousa (2016) dizem que pessoas cujo direito de obter documentos com nome e sexo coincidentes com sua identificação foi negado não estão inseridas legalmente ou socialmente em suas comunidades.


O país vivenciou em passado recente importantes conquistas para a população transgênero. O Ministério da Educação se posicionou em 18 de novembro de 2011, através do Art. 1 da Portaria nº 1.612, que assegura às pessoas transexuais e travestis “... o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do ministério”. O mesmo documento define nome social por “... aquele pelo qual essas pessoas se identificam e são identificadas pela sociedade”, refletindo sua identidade de gênero. Em sequência, a partir do Decreto nº 8727, liberado no dia 28 de abril de 2016, passou a vigorar legalmente “o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”.


É o documento que deve se adequar à pessoa e não o contrário. De acordo com o Estado Democrático de Direito o indivíduo é superior a todas as coisas, ou seja, não pode ser coisificado (VIEIRA, 2014). “Com a documentação inadequada, que retrata prenome e sexo que não representam a realidade do indivíduo, não há qualquer possibilidade de inserção social” (VIEIRA, 2014, p. 213).


A exigência de laudo médico e autorização judicial para legitimar condição humana esvazia a possibilidade de autonomia do sujeito trans. A autonomia é um aparato fundamental da democracia, pois capacita a pessoa a exercer plenamente sua cidadania (ECCARD e SOUSA, 2016). No mesmo texto, ainda é tratada a visibilidade social e civil possibilitada, em parte, pela adequação do registro civil à vida real e à imagem da pessoa. O projeto de lei 5002/2013 João W. Nery, batizado como Lei João W. Nery - a Lei da Identidade de Gênero, defende essa autonomia da pessoa transexual no seu processo de retificação de nome, sem que se necessite demandar laudos médicos e psicológicos, cirurgias ou hormonioterapias, com o objetivo de torná-lo gratuito, sigiloso e rápido. “Conforme o projeto, basta que o transexual vá ao Cartório e solicite a adequação dos documentos” (VIEIRA, 2014, p. 213).


A legitimação da escolha do nome social decorre da necessidade de identificação com ele, pois é através de sua validação legal que podemos ser designados socialmente (MARIANI, 2014). Essa escolha pode ser feita por travestis, transexuais e transgêneros. “Este fenômeno normativo é reflexo da percepção pelo Estado de que a discordância entre vida real e documentação oficial viola a dignidade da pessoa humana” (ECCARD e SOUSA, 2016, p.178/179).


“Serem identificados/as publicamente pelo nome que os/as posiciona no gênero rejeitado era uma forma ressignificada de atualizar os insultos de ‘veado’, ‘sapatão’, ‘macho-fêmea’, que, ao longo de suas vidas, os/as haviam colocado à margem” (Bento, 2006, p. 57).


Eccard e Sousa (2016) dão respaldo teórico ao avanço no âmbito social e de saúde pública para recentes medidas institucionais, afirmando que, ao ter a possibilidade de se identificar socialmente por um nome que reflete sua aparência, o transexual ganha visibilidade e existência.  


A legitimação do uso do nome social em todas as instâncias e serviços públicos é fundamental para a visibilidade das pessoas transexuais, que são violentadas e excluídas socialmente. Segundo a Constituição Brasileira de 1988:


Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

 IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

“... a demanda pelo direito de alterar o nome e ‘sexo’ no registro civil comporia, em termos gerais, uma luta pelo reconhecimento da diferença dentro das possibilidades de cidadania plena outorgadas pelo Estado. Ou seja, a afirmação de tal direito implica o reconhecimento mesmo do fato de que pessoas transitam no espectro das identidades de gênero e, portanto, do próprio reconhecimento da existência de travestis e transexuais” (CARVALHO, 2014, p. 243).


Portanto, cabe ao Estado assegurar a proteção daqueles discriminados socialmente. A criação de uma lei favorece o não constrangimento de uma pessoa transexual ao usar seu nome de nascimento, permitindo maior conforto e segurança na ocupação dos espaços públicos da cidade. A criação dessa lei amplia as inúmeras possibilidades de expressão e desenvolvimento da identidade de uma pessoa transexual. A “adequação do registro civil à vida real e à imagem da pessoa representa a possibilidade de se tornar visível” (ECCARD e SOUSA, 2016) e digna.


“Nas últimas décadas vimos assistindo uma ‘revolução cultural’: os transexuais têm sido mais ouvidos em suas reivindicações, conquistado respeito e obtido inserções sociais cada vez maiores, o que sugere o reconhecimento social das transexualidades, ainda que tal reconhecimento desperte questões éticas e jurídicas” (CECCARELLI, 2014, p. 59).


Em maio de 2017 o Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que a cirurgia de redesignação sexual não é requisito para a retificação do registro civil. Contudo, fazer essa cirurgia não é garantia de que o pedido de alteração será aprovado.


Escrito por Maria Martha Gibellini




Referências:


BENTO, Berenice e PELÚCIO, Larissa. Despatologização Do Gênero: a Politização das Identidades Abjetas. Estudos Feministas, v. 20, n. 2, p. 569–581, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

CARVALHO, Mário. O “armário trans”: entre regimes de visibilidade e lutas por reconhecimento. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 241 a 254.

CECCARELLI, Paulo Roberto. Inquilino no próprio corpo: reflexões sobre as transexualidades. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 53 a 63.

ECCARD, Ana Flávia Costa e SOUSA, Thiago. O Uso do Nome Social na Academia. Revista de Gênero, Sexualidade e Direito, v. 2, n. 2, p. 171–188, 2016.

GRUPO GAY DA BAHIA. Disponível em: <https://grupogaydabahia.com.br>. Acesso em 18 de maio de 2018.

MARIANI, Bethania. Nome próprio e constituição do sujeito. Letras, v. 24, n. 48, p. 131–141, 2014.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Processo judicial e a adequação do nome e do sexo do transexual. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Org.). Transexualidades um olhar multidisciplinar. 1ªed. Salvador: EDUFBA, 2014.  p. 211 a 224.


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