Livro: Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental – Robert Whitaker
Após trabalhar como repórter de um jornal, Robert Whitaker, um reconhecido jornalista científico, se torna sócio em uma editora que fazia relatórios comerciais na área farmacêutica. Muitos desses relatórios giravam sobre os aspectos comerciais dos testes clínicos de novos medicamentos. Num determinado momento ele se depara com uma matéria, em que há uma denúncia sobre maus-tratos a pacientes psiquiátricos durante o desenvolvimento de pesquisas clínicas. Esse foi o início do interesse e de uma série de publicações investigativas do autor sobre o tema. O autor discorre sobre uma crença que ele próprio tinha de que as drogas psiquiátricas eram “como a insulina para o diabetes”, mas começa a ficar muito incomodado quando percebe, em vários estudos, como os pesquisadores de repente tiravam essas drogas dos seus pacientes. O raciocínio era: se o diabético não pode ficar sem insulina, por que esses pacientes podem? Porém, o que mais passou a intrigar o autor não foi apenas o fato da retirada dos medicamentos, mas o modo como, em muitos casos, os pacientes não só não melhoravam como muitas vezes pareciam piorar. Isso levantou outra dúvida: se essas drogas não levam à cura, conforme o prometido, então o que elas fazem? A partir dessas dúvidas e de levantamentos epidemiológicos e científicos, o autor entra no campo da psiquiatria e, como primeiro resultado dessa experiência, publica o livro Loucos nos Estados Unidos, que se transformou numa história do tratamento dos doentes mentais graves naquele país (sendo depois reconhecido como um dos livros do ano quando foi publicado).
O livro começa trazendo dados estatísticos e científicos sobre a situação da doença mental dos Estados Unidos e quais os impactos econômicos e sociais da doença. Por meio de relatos de pacientes, de médicos e de dados científicos, o autor discute a questão da medicalização da vida cotidiana, quais são seus efeitos nas condutas médicas e na vida dos pacientes. Aborda também como funciona a “hipótese científica” no desenvolvimento de psicofármacos, quais as possíveis implicações institucionais e como a indústria farmacêutica atua nesse contexto. Whitaker traz reflexões bem provocativas (e embasadas) sobre a presunção do desequilíbrio bioquímico que sustenta o uso desses medicamentos, os mecanismos envolvidos nos testes clínicos, na aprovação e comercialização de novas drogas, na formação de opinião que consolidam a teoria e prática clínica - “um sintoma, um diagnóstico, um fármaco” – e que outras formas de tratar essas doenças mentais estão disponíveis.
Todas essas considerações são apresentadas com fundamentação científica e numa linguagem acessível e didática, sendo interessante para qualquer pessoa que tenha interesse na área da saúde mental (profissionais, estudantes, pacientes ou familiares). A questão não é condenar o uso dos medicamentos, mas o autor nos convida a repensar a forma como eles são empregados na clínica cotidiana.
Escrito por Milena Lobão
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